Essa foto não mostra nada demais e, vista assim, também parece não significar nada.
Mas para mim tem um significado muito forte. Durante mais de um ano, esse foi o local de moradia de um cara que não sei o nome, mas algumas pessoas da região chamavam de “mendigo limpinho”. O próprio apelido se justifica: vivia de banho tomado, roupas limpas e sempre que estava fora, cobria sua cama com um plástico.
No começo, aquele colchão bem cuidado encostado na parede de uma porta comercial que nunca abria me chamava a atenção. Com o tempo, uma cadeira apareceu ao lado e depois uma caixa que devia ser o esconderijo de tesouros pessoais.
Sempre que passava pelo local, cumprimentava com um aceno seguido por um comentário aleatório como “lindo dia”, “hoje tá bom” ou “não para de chover”. A propósito: o lugar tem uma boa cobertura na calçada e mantinha a cama seca.
Depois de um tempo, descobri que ele trabalhava logo ali como segurança de rua em frente a um restaurante conhecido na região. Toda noite, vestia seu colete com letras amarelas nas costas, encapava sua cama e seguia para o trabalho.
As manhãs serviam para dormir até tarde, expondo sua intimidade como só quem mora na rua sabe como é.
Vi com alegria que arrumara uma cama e deixara o chão de cimento. Deixei de me preocupar com o fato da rua encher de água em dias de chuva forte. Por um tempo, isso era a primeira preocupação que me vinha a cabeça quando falavam que algum lugar ficou alagado.
Começaram a reformar o comércio ao lado de onde ele morava e achei que seria o fim da sua presença como vizinho, mas o bar abriu e ele se manteve lá. Por um, dois, três, seis meses.
Uma vez o encontrei todo machucado e perguntei o que tinha acontecido. Ele me disse que sofria de epilepsia e que teve uma convulsão, se machucou e havia ficado uma semana internado. Me envergonhei por não ter sentido falta.
Essa semana, passei pela rua e ele não estava mais lá. Nem ele, nem sua cama ou sua cadeira. Não sei se o expulsaram por conta da reforma da praça, de algum lobby do bar, se saiu das ruas ou se simplesmente cansou de morar no bairro e foi para outro lugar.
Conversei com ele algumas vezes e mesmo após oferecer ajuda, ele sempre negou. Também não sei seu nome e tenho medo de procurá-lo à noite no antigo “emprego”, não encontrá-lo e ficar imaginando o pior. Também lamento por não ter feito nada e só estar compartilhando essa história após ele sumir.
Mas espero de verdade que meu vizinho esteja bem.